Powered By Blogger

terça-feira, 24 de abril de 2012

Pequena Oração

Segunda-feira, 23 de abril de 2012. Feriado de São Jorge no estado do Rio de Janeiro. Em casa, à noite, depois de um dia preguiçoso de temperatura amena e almoço tranquilo, a checagem de mensagens na rede social traz a maior pausa do dia: “A Terra está mais triste hoje. Perdemos o amigo Jorge Pineiro.” Por um instante a respiração se interrompe, os movimentos cessam e o olhar paralisa. A seguir, o sobressalto, o pulo da cama e a procura do celular. Um telefonema confirma e esclarece a notícia: dengue hemorrágica, fatal. O mal-estar interno se agiganta. Diante da indesejável, da iniludível, um nó na garganta. E o acúmulo de porquês. Pausa. Refletir sobre a vida agora é inevitável. Seu sentido ou total falta de razão. Como num rolo de filme, vários rostos queridos passam, um a um, em minha mente. E os pensamentos fervilham. Olhar para o lado e imaginar não mais ver quem está ali. Pensar no familiar distante e supor nunca mais ouvir sua voz. Lembrar o que iria dizer a alguém amanhã e cogitar que jamais será dito. Pausa. O enigma da vida se impõe. O corpo perece, mas a alma é imortal. Será? A matéria acaba, mas o espírito continua. Será? A missão na Terra foi cumprida, logo não há mais motivo para viver. Será? Ninguém sabe. Sabemos simplesmente que a certeza é transitória e os serás permanentes. Serão eles a eterna indagação da vida, a leitura incrédula dos dogmas da existência. Nessa era de rápidos avanços tecnológicos, as manifestações de pesar são imediatas: “notícia triste, grande perda, choque, sem palavras, inacreditável. Tadinho...” Pausa. Infelicidade, sofrimento e dor. De quem partiu ou dos que ficam e seguem com perguntas sem respostas, confrontados com a impotência do homem diante da falta de controle sobre a vida? Que ouçam com atenção os que por mim têm apreço. Quero nenhum sentimento de piedade na minha morte. Que sejam inexistentes as expressões ‘coitada’, ‘que pena’, ‘tadinha’. Que sintam minha ausência sim, como sinal de que deixei boas marcas na vida – motivo pelo qual acredito estarmos aqui. Que lamentem minha partida sim – como demonstração de bem-querer por mim. Que lembrem os meus acertos e relevem os meus erros – como símbolo de compreensão da minha condição humana. Que rezem por mim, muito, cada um no seu mais sincero religare: Buda, Cristo, Cosmos – o que for, ou não for. E que então aceitem o meu fim, seja ele súbito ou gradual. Mas que jamais tenham piedade, de mim ou dos que ficarem. Afinal, não há certeza de que partir é pior ou melhor do que ficar. Aos familiares do querido colega, emito pensamentos de tranquilidade e desejo a força da resignação que nos resta ter. Ao Jorge, agradeço a oportunidade de convivência, ainda que pouca, e dedico sentimentos de carinho: minha saudade de uma pessoa de bem, meu lamento por sua breve passagem, minha lembrança do colega íntegro e profissional dedicado. Acima de tudo, dedico a você, Jorge Pineiro, a minha pequena e verdadeira oração: Que a Luz, que creio existir além do que a matéria pode ver, ilumine sua nova jornada. Vá em paz!