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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Buenos Aires: O Melhor da Festa

Dizem que o melhor da festa é esperar por ela. E que o planejamento de uma viagem faz parte do prazer de viajar. Ou seja, as boas expectativas de um acontecimento nos despertam sensações antecipadas de gozo e euforia. Talvez seja isso um mecanismo inconsciente de defesa contra a frustração que se instala quando nem tudo acontece conforme o previsto. Se as felizes expectativas de uma festa ou viagem não se cumprirem, a simples espera pela chegada do evento já terá feito o acontecimento valer a pena.
 Mas, e quando não há expectativas? E quando os mecanismos de defesa não são precocemente acionados? Bem, aí estão as verdadeiras oportunidades de usufruir por inteiro das delícias da festa e do sabor da viagem. Sem pre-ocupações ou pre-julgamentos, mente e corpo se ocupam do momento presente, e nos permitem julgar o que realmente é, e não o que supomos ser. Assim foi a minha visita a Buenos Aires: sem expectativas, sem pre-ocupações, sem pre-julgamentos. E exatamente por isso tão maravilhosa.
 Embora próxima do Rio de Janeiro, a cidade portenha sempre foi distante dos meus anseios. Não considerava a ida a Buenos Aires uma viagem ao exterior, já que não se tratava de Estados Unidos ou Europa. Tampouco era uma viagem nacional, obviamente. Então Buenos Aires simplesmente não era. Declaração envergonhada e pensamento tupiniquim, confesso. Mas a verdade é que meus olhos sempre se voltaram para a América do Norte e para o Velho Continente - até outubro deste ano.
 Foi Calí quem deu a sugestão. Em agosto, ele veio com a ideia de irmos a Buenos Aires dali a dois meses, quando teríamos alguns dias de férias. Aceitei o palpite. E os preparativos foram meramente comprar passagens e reservar o hotel - o mínimo a ser feito. É bem verdade que busquei algumas informações e recebi dicas de amigos que já conheciam a cidade, mas em momento algum senti o friozinho na barriga típico da ansiedade pre-viagem-tão-esperada. Estava feliz com a escolha, mas sem expectativas. E disso decorreu o melhor da festa: a viagem em si.
 Após a chegada ao aeroporto de Ezeiza, quando a caminho do nosso hotel em Recoleta, passamos pelo centro da cidade. E naquele momento tive o primeiro impacto, ao percorrer a Avenida 9 de Julio. Uma avenida com tamanha amplitude não poderia pertencer a qualquer cidade. São doze pistas em cento e quarenta metros de largura e muitos quilômetros de extensão. E verde, muito verde entremeando o cinza dos quarteirões. 'Verde que te quiero verde', aliás, caberia bem como slogan da cidade. As numerosas praças são arborizadas, agradáveis e reúnem muita gente exposta aos bons ares à procura de bem-estar físico e espiritual, em suas roupas de ginástica ou com livros em punho. Reúnem-se também muitos cães, em bandos, cujas coleiras convergem para as mãos de um único passeador.
 O que falar da arquitetura? Eu sabia que a influência parisiense era bastante presente. Só não poderia supor que por tantas vezes olharia uma esquina e imaginaria estar na Boulevard Saint-Michel, com seus telhadinhos peculiares. Não poderia imaginar a riqueza arquitetônica do Teatro Colón ou o esplendor da livraria El Ateneo.
 E quanto à gastronomia? Quem bem me conhece sabe que não sou grande apreciadora de carne vermelha. Mas como resistir ao 'ojo de bife', principalmente quando acompanhado de um Altos Las Hormigas Malbec e precedido por um covert de 'tomates desecados, morrones braseados, muzzarela, mantequilla y variedad de panes caseros'? Somado ao apuro do paladar, o requinte da vista para águas vindas do Rio da Prata e o aroma amadeirado de ervas no ar. Ambientação perfeita para um brinde aos sete anos de namoro que celebramos no início do mês.
 A riqueza cultural da cidade também me impressionou. Com tantos museus à disposição, foi preciso optar. E a escolha se deu por uma questão nacionalista: apreciar de perto a mais valorizada tela brasileira no mundo, referência à antropofagia modernista em deglutir a cultura estrangeira: Abaporu. Foi emocionante ver o mais importante quadro de Tarsila ao vivo! Motivo suficientemente justo para a opção pelo MALBA, ainda que outros artistas expostos no Museu de Arte Latinoamericano mereçam o nosso respeito. Encantei-me com o realismo das telas de Antonio Berni, por exemplo!
 Como falar da cultura argentina sem mencionar esse que é considerado patrimônio cultural da humanidade? Lindo, poético, dramático, o tango nos emocionou na apresentação do quinteto que ouvimos acompanhar cantores e dançarinos no Café de Los Angelitos. Gardel, Piazzola e outros menos conhecidos por nós aqueceram nossas almas de emoção naquela noite.
 Foi essa então a minha experiência em Buenos Aires. Sem expectativas, sem a ansiedade da espera, sem a antecipação de sensações, a cidade chegou de mansinho e se apropriou de mim. Tornou-se um destino precioso que me possibilitou viver com intensidade cada momento. Un gran regalo. A comprovação de que o melhor da festa deve ser sempre a festa em si. Hasta la vista, mi Buenos Aires querido!