Powered By Blogger

sexta-feira, 16 de março de 2012

PERDA e DOR

Na Semana Nacional de Poesia,atrevo-me a publicar três poemas.

HORA MARCADA
É grave.
Porém às dez não mais se agrava
a desgraça que na garota paira.
Às dez, a graça reata.
Às dez, a família grata.
Às dez, não mais grave.
Não mais gravidez.


CIDADE GRANDE
Acorda o dia.
E com ele as mazelas da cidade.
Na esquina do borracheiro,
o pedinte enxuga o suor do rosto
com o pano que limpa os carros.
Em meio ao trânsito caótico,
o motoqueiro ultrapassa
e é lançado ao chão.
Na entrada do túnel,
o rio de esgoto jorra
sobre os veículos apressados.
O prenúncio de mais um dia se faz presente.


(INS)PIRAÇÃO
E foi-se a inspiração,
que, fugaz, aproximou-se e partiu.
Foi-se o sopro de ar
que poderia tudo renovar.
Foi-se antes de nascer
o que jamais deveria morrer.
Ficou a piração do poeta,
enlouquecido pelo vazio do papel em branco.

segunda-feira, 12 de março de 2012

A Super Vó

Ô vóóó, olha o Zéééé!” Era este o grito de socorro emitido por mim e minha irmã à nossa avó materna toda vez que nosso tio exercitava conosco sua criatividade marota.
Nove anos mais velho, Zé era como um irmão travesso e implicante, sempre zombando das pirralhas. Com sua originalidade peculiar, ele criava personagens, letras de música e melodias jocosas para atazanar as sobrinhas. Assim surgiram Espeto e Broa, por exemplo. Espeto nasceu por inspiração numa estampa de camiseta minha, dada a semelhança da caricatura magricela e cabeluda com meu corpo fino e cabelos cheios. Já Broa foi a alcunha criada para minha imã, sardenta e gorducha. Meu tio sentia orgulho por suas criações: Espeto era tão famoso que tinha sua imagem impressa numa peça de roupa. E Broa tornou-se famosa por ser inspiração de um rock nonsense, composto pelo próprio Zé e cantado para as pessoas de casa: a história de uma broa de milho que cai no chão e se esfarela, fazendo-o lembrar de sua sobrinha Ana Cristina.
Bastava Zé entoar o rock ou mencionar a camiseta para a gritaria começar. E no pequeno apartamento da Rua Sacadura Cabral, correndo de dentro da cozinha, lá vinha a minha avó. Alheia à criatividade de seu filho, partia em socorro das pequenas netas. Faca em punho, vovó ameaçava umas pancadas no menino com a face lateral da arma. Fugindo pelo apartamento, Zé trancava-se no banheiro com medo de apanhar. Até que passava o alvoroço, ele saía de mansinho, e nós fingíamos não vê-lo. No dia seguinte a implicância recomeçava, pelo mesmo motivo ou por outro qualquer. E o ciclo se repetia: gritaria, ameaça, correria, calmaria.
O mais curioso é que a vó Hermínia nunca sabia com certeza se o Zé realmente tinha feito algo de errado. Um grito nosso a fazia sair correndo contra ele, estivesse ele errado ou não. E, na verdade, nem sempre era ele o culpado. Muitas vezes nós o provocávamos, instigando discórdia, só como pretexto para que vovó nos socorresse. Adorávamos ver a nossa super vó em cena, protegendo suas netas queridas e indefesas contra o vilão da zombaria. Nossa heroína preenchia nosso mundo de fantasias, não com histórias contadas dos livros, mas com as suas atitudes reais. Sempre que necessário, ela surgia nos protegendo com facas e dentes: a faca tremulando no ar e os dentes rangendo entre gritos de “Para com isso, José! Deixa as meninas em paz!”
Mas o tempo passou e tio Zé cresceu. O amadurecimento do menino arteiro transformou o vilão da zombaria num tio parceiro e camarada. Com isso, deixou de existir o nosso pretexto para pedido de socorro e proteção à vovó. Entretanto, guerreira que naturalmente era, vó Hermínia jamais nos desamparou. Ao contrário, nos ensinou lições de auto-proteção para que pudéssemos nos defender ao longo da vida por nós mesmas. Sua religiosidade nos trouxe ensinamentos de fé e coragem. Sua determinação nos transmitiu a força que a verdadeira vontade tem. E sua generosidade e solidariedade mostraram o quanto preenche a alma pensar no outro. Os valores que dela recebemos sem dúvida constituem grande parte do que somos hoje.
Na próxima terça-feira, dia 13 de março, seria aniversário da nossa super vó. Já faz quatro anos que não mais podemos comemorar com ela essa data. Nossa heroína cumpriu sua missão na Terra e partiu. Certamente vive hoje num reino mágico de fadas e querubins, como imagina a fantasia das crianças. Que os anjos celestes protejam para sempre o nosso anjo protetor!
Um beijo com muita saudade, agradecimento e ternura, querida vovó.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Um brinde à mulher!

No dia de hoje, subo na gangorra narcísica e levo o meu ego às alturas. Deixo de lado a modéstia, a insegurança, a vergonha, e ergo uma taça a mim mesma. Uma taça de vinho. Uma taça do título. A taça da vida! Sim, hoje eu posso. Hoje é o dia internacional da mulher e o meu brinde é a mim mesma, única e especial que sou no mundo.
O instante do meu nascimento registrou a força do meu sexo. Às 23 horas do dia 20 de março de 1967, cheguei rompendo a expectativa do menino aguardado na sala de espera. A revelação se fez através da ênfase no gênero do adjetivo: “Linda! Ela é linda!” – foram as palavras da enfermeira que levou embora a esperança de meu pai em compartilhar com um sucessor os segredos do mundo masculino. Não tinha jeito: ela era linda e iria crescer mulher.
O tanto de decepção do seu Albano foi esquecido ao longo dos anos. A menina mostrou-se carinhosa, imaginativa, sensível, companheira. Ela queria ser forte. E era esperta o suficiente para esconder de si mesma sua emotividade abundante, o que demonstraria fraqueza. Por isso, seus medos eram só seus, suas dores eram sentidas em solidão e suas inseguranças eram encobertas pelo comportamento exemplar. Que anjo de criança!
Era protegida contra os perigos da vida. A querida avó, com quem passava a maior parte dos dias, sequer permitia seu acesso à cozinha da casa, local de risco para uma menina pequena.
Mas, sem que ninguém soubesse, ela observava a chaleira no fogão e sabia que o leite fervente poderia transbordar. Então, escondendo-se de todos, corria para tampar a chaleira, na tentativa de manter o leite contido. Ela desconhecia que o mecanismo não era aquele, e que não adiantaria evitar o transbordar do leite, tamanha era a intensidade da ebulição.
Foi com o tempo que as verdades surgiram. A menina se transformou em mulher e teve a sua própria casa. Custou a aprender a lidar com a chaleira de leite no fogão e sofreu algumas queimaduras. Mas finalmente entendeu que é inútil lutar contra as forças da natureza. Se o fogo é intenso, o leite transborda. Assim, ela aprendeu a chorar e fazer jorrar suas emoções, medos, dores e incertezas. Ela se tornou mais leve. Permitiu-se fragilidade, sem vergonha. O anjo perdeu as asas e soltou os seus demônios.
Outrora avessa à comemoração de um dia destinado à mulher, hoje brindo este dia. Pouco importa se já pensei que essa data reforça um conceito machista. Por que é mesmo que não existe o dia internacional do homem? Pouco importa. Hoje penso que se existe o dia internacional da mulher, vou sim aceitar a homenagem. E apresentar-me ao mundo. Muito prazer: sou forte e frágil, sensível e insensível, doce e amarga, medrosa e destemida, tímida e sem-vergonha, modesta e vaidosa, laboriosa e preguiçosa, certa e errada. Sou mulher.
Um brinde a mim mesma! E agora um brinde a todas as mulheres! Que cada uma de nós seja hoje a primeira pessoa a levantar uma taça em homenagem a si própria - única e especial que cada uma é.