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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Três vezes Nova York

Junho de 1992 . Jornal casualmente aberto na página de um anúncio da agência de turismo Soletur: pacote de sete dias incluindo passagem aérea, hospedagem, traslado e city tour. Preço cabível nas economias de uma estudante de Letras pela manhã e professora em curso de inglês americano à noite.
Inesperadamente, as portas para a realização do meu grande sonho se abriam. Com a quantia necessária para viajar (ainda que sem extravagâncias), a disponibilidade de tempo (já que eu entraria de férias em breve) e o passaporte e visto válidos (retirados para visitar a Disney em lua-de-mel), eu mal podia acreditar que aquilo por que eu esperava desde os primeiros anos de estudo de inglês estava prestes a acontecer. E foi assim o início da realização do meu sonho de conhecer Nova York.
Meu parceiro de viagem não poderia ser outro senão aquele que havia provocado em mim a razão do meu desejo. Afinal, meu pai foi quem, na minha adolescência, me despertou a paixão pela língua inglesa e o sotaque americano, dando origem ao meu sonho de visitar a mais famosa cidade da mais imponente nação de falantes de inglês. Papai gostava de estudar inglês e imitar a pronúncia anasalada dos americanos, mas nunca tinha viajado aos Estados Unidos. Aposentado, dispondo de tempo e economias, meu pai prontamente aceitou embarcar comigo no meu sonho.
Em poucos dias o pacote de viagem e as malas foram fechados. Logo estávamos desembarcando no JFK e seguindo de Queens a Manhatan. Nossa chegada à ilha foi triunfal! Avistar os dois prédios mais altos do mundo sob a voz de Frank Sinatra na canção-ícone da cidade foi acreditar que tudo era possível. Minha emoção era tanta que meu coração disparava, meu olhos lacrimejavam e minha voz falhava.
Caminhar sob as luzes de Times Square tornou real a sensação que por tanto tempo eu tivera durante as minhas noites de sono. Sim, eu já tinha estado em Nova York muitas vezes enquanto dormia. Mas nada se comparava a estar lá de corpo e alma presentes. Meu entusiasmo era como o de uma criança que acredita ser possível mergulhar na tela de cinema e tornar-se personagem do filme. Ali estava eu: personagem do meu próprio filme.
Na ânsia de desfrutar aquela experiência ao máximo, vencer o relógio era fundamental. Era necessário dormir pouco, andar rápido, fazer refeições breves, qualquer coisa que justificasse render o tempo. Afinal, eu estava em Nova York, a cidade que nunca dorme. E queria explorar o máximo possível: a imponência dos arranha-céus, a imensidão do Central Park, as dezenas de taxis amarelos, o corre-corre cotidiano do povo, o talento dos artistas de rua, a diversidade de tipos físicos, os sanduíches nas calçadas em contato direto com as mãos, a magnitude dos espetáculos da Broadway. Enfim, tudo que me permitisse levar um pouquinho da cidade de volta comigo. Como Christine, seduzida pelo fantasma da ópera, eu voltei ao Brasil completamente hipnotizada pela cidade dos grandes musicais.

Janeiro de 1994. Dois anos após meu debut em Nova York, voltei à cidade com mais cinco pessoas: meu marido, seu tio, minha mãe e duas amigas dela. Eu era a única do grupo que já tinha estado lá. E aquela era justamente a oportunidade que eu queria para dividir com as pessoas o meu encanto pela cidade. Planejei os passeios, organizei os horários, orientei os trajetos. Ser uma guia de turismo naquela ocasião foi um grande prazer, pois validava o meu conhecimento da cidade. E que orgulho eu sentia por aquilo!

Julho de 2011. Desta vez levei comigo minha mãe e minha filha, num encontro de gerações acontecendo na cidade dos meus sonhos. Foram muitos anos passados desde a minha última visita. Nesse período de tempo, o mundo mudou, os Estados Unidos mudaram, Nova York mudou e eu mudei. Livros originais em inglês, antes acessados somente através de importação, agora podem ser lidos na tela do computador. Os Estados Unidos, por décadas considerados inabaláveis, hoje carregam a insegurança de ataques terroristas. Nova York, por muitos anos símbolo de poder, mantém ainda a lembrança dos seus mais altos edifícios sucumbindo em poucos minutos. Quanto a mim, foram novas experiências profissionais com a língua inglesa, visita a outros países, filha, mudança de casa, separação, nova mudança de casa, namorado, novos amigos. Voltar a Nova York diante de tantas modificações externas e internas foi uma grande surpresa. Eu esperava reviver as emoções das duas primeiras vezes. Imaginava sentir-me mesmerizada como antes. Mas não foi bem assim. Constatei que meu sentimento pela cidade ainda é forte, porém menos impulsivo e mais amadurecido. A paixão cega transformou-se em amor de olhos abertos. Enxerguei a cidade com todos os seus encantos e também os seus defeitos. Em meio ao verão com índices recordes de calor, pude perceber o consumismo desenfreado dos turistas, o número exagerado de imigrantes em trabalhos menos prestigiados e o ritmo histérico das pessoas. Confesso que o momento em que me senti realmente presente foi quando me sentei no gramado do Central Park e respirei fundo. Por segundos, a tranquilidade do cheiro da natureza me fez esquecer a agitação do mundo de concreto. Naquele instante, senti no corpo o arrepio que me veio nas primeiras vezes em que havia estado na cidade. Mas pude perceber que os meus sensores hoje são outros. Encanto-me com a contemporaneidade e o vanguardismo de Nova York, assim como os museus e suas relíquias. Gosto do consumo, da tecnologia e da culinária de toda parte do mundo. Mas preciso de pausa, reflexo do meu próprio comportamento diante da vida hoje.
Voltarei a Nova York assim que possível. Afinal de contas, há anos nós mantemos um relacionamento que foi amadurecendo aos poucos: evoluiu do platonismo à paixão e da paixão ao amor. Amor sereno, maduro, consciente, onde é fundamental que cada um reserve tempo para si próprio, respirando sozinho, sem depender do outro.

domingo, 25 de setembro de 2011

Mania de Escrever

Recentemente estive pensando na minha relação com a escrita e me peguei numa viagem de volta no tempo. Num turbilhão de pensamentos em retrospectiva, fui levada aos bancos da minha primeira escola. Foi lá onde tudo começou.
Eu tinha cinco anos quando as letras do alfabeto me foram apresentadas. Como gostei de conhecê-las e descobrir o poder que tinham de transformarem-se em palavras! Cuidadosamente selecionadas e unidas, as letras eram capazes de conceber os embriões de um novo mundo que se desvendava sob meus olhos de criança. Mais tarde aprendi que da união de palavras surgiam frases, o que me permitia organizar pensamentos silenciosamente no papel. Soube depois que frases relacionadas entre si originavam parágrafos, que, por sua vez, podiam levar ao nascimento de um texto completo. Finalizada a gestação do primeiro texto, estava revelado o processo de criação da escrita. E iniciada a minha mania de escrever.
Meus primeiros textos foram produzidos na sala de aula da escola, mas foi na sala de estar ou no quarto de dormir da minha casa que eu sempre gostei de escrever. Ali eu podia expressar meus sentimentos e observações da vida de maneira segura: minha casa era a fortaleza necessária contra as ameaças do mundo e a escrita era o escudo protetor contra a exposição da minha natureza tímida. Assim a escrita foi-me acompanhando ao longo dos anos e me permitindo registrar a minha história: inexperiência e vivência, ingenuidade e malícia, insegurança e assertividade, tristeza e alegria, ódio e amor, perdas e ganhos. Foram textos de diferentes tipos e finalidades: bilhetes de criança declarando amor à família, relatos das descobertas adolescentes no diário secreto, rimas de amor para o namorado, poemas para a filha em gestação, cartas cobrando explicações não ditas, e muitos mais. Alguns dos registros estão mantidos comigo, outros foram perdidos, deliberadamente ou sem querer.
Hoje, pensar na minha relação com o ato de escrever é refletir sobre mim mesma, minhas características internas e jeito de ser. É reconhecer a minha introspecção e necessidade de solitude de tempos em tempos. É admitir o meu potencial criativo por mais que minhas inseguranças tentem reprimi-lo. É declarar o dilúvio de emoções que jorram dentro de mim, ainda que eu queira transparecer a placidez de um lago sereno. É expor-me para mim mesma, sem disfarces.
Escrever é, afinal, poder contar minha história pessoal com a impressão de uma marca própria. Desde os meus primeiros textos até hoje muita coisa mudou na forma de contar os capítulos do meu livro. Meus pontos-de-vista se modificaram e minhas observações do mundo já não são mais as mesmas. Certamente eu sou uma pessoa diferente daquela de anos atrás. Mas permanece em mim essa mania de escrever. E, com ela, a possibilidade de contar novas histórias ou recontar as velhas lembranças sob um novo olhar.