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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Homenagem Desadjetivada

Qual é o antônimo da palavra ‘póstumo’? Desde sábado passado venho buscando a resposta para essa pergunta, mas não consigo encontrar. Consultei dicionários e amigos proficientes na língua portuguesa, e nada. Ninguém sabe responder.
Na verdade, essa indagação me ocorreu num almoço de família onde estávamos eu, meu tio paterno, meus dois primos e minha prima. Faltaram meu pai, minha irmã e minha filha para que a descendência de Dona Albacy, minha avó paterna, estivesse completa. E foi justamente a propósito de vovó que minha dúvida surgiu. Durante o almoço, falamos da vó Bacy e suas histórias. Sua irreverência, seu jeito alegre, verdadeiro, matreiro e arteiro. Sua beleza, vaidade, feminilidade e sapequice. Seus amores, afetos e desafetos. Lembranças póstumas.
Ao longo da conversa me peguei pensando quem mais da família tinha aquelas características, quem as teria herdado, ou de quem vovó as teria adquirido. Não lembrei. Não há ou houve outro familiar com tanta leveza e descontração na alma. Pensei então se pude entender tudo o que ela teve a nos oferecer em sua vida. Ou se meus inexperientes olhos míopes, buscando nitidez e correção, pouco enxergaram suas grandes virtudes, vendo como falhas sua aparência de avó pouco convencional. É claro, ela tinha falhas, mas quem não as tem? Que atire a primeira pedra quem for perfeito. E que contenham as mãos os narcisistas!
As memórias póstumas durante nosso almoço me trouxeram à vida. Enquanto conversávamos sobre o passado, pensei no que agora se passa e em quem por mim passa nesse momento. Pensei naqueles que me acompanham em vida. Multidões de rostos atravessaram a minha mente em fast forward: mãe, pai, filha, irmã, tios, tias, primos, primas, namorado, ex-marido, colegas de trabalho, amigos do dia-a-dia, amigos da vez-em-quando, pessoas próximas, pessoas distantes – enfim, muita gente! Pensei se sou capaz de entender o que cada um tem a me oferecer, de bom e de ruim. Pensei se privilegio o bom e ignoro o ruim, ou se supervalorizo o ruim e menosprezo o bom. Pensei também que é possível simplesmente constatar o bom e o ruim - sem julgamento. E que esta é a possibilidade que mais deve merecer a minha atenção, a que me permite desfrutar ao máximo quem está comigo agora. Foi então que me veio a pergunta: Qual é mesmo o antônimo de ‘póstumo’? Quero prestar uma homenagem não-póstuma e não encontro adjetivo para tal.
Segue, então, a minha homenagem desadjetivada. Ela vem repleta de respeito a todos que me acompanham nessa jornada da vida. Homenagem plena de admiração pelos que acertam (quase) sempre, pelos que erram crendo ter acertado, pelos que acertam através do erro, pelos que admitem as falhas e pelos que não as reconhecem. Minha homenagem é aos que estão vivos, pois somente deles tenho a certeza de acertos e erros. Talvez a morte traga a redenção dos equívocos cometidos em vida, mas disso não temos certeza. Que possamos dar valor à vida, então, estando ela errada ou não! Através desta homenagem, queridos e queridas, agradeço a cada um de vocês, que certos ou incertos, exercem sempre algum tipo de influência sobre mim. E pelo convívio próximo ou distante, vou aprendendo, amadurecendo com a troca das nossas virtudes e defeitos. Um brinde a todos nós, errantes viajantes!

domingo, 6 de novembro de 2011

Tempo sem Recuo

Basta me conhecer um pouco para se saber que nem de longe minha natureza é belicosa. Sou uma pessoa da paz – pacífica e apaziguadora. Não gosto de guerra, brigas ou discussão. Entretanto, confesso que sinto um prazer muito singular por certo tipo de luta: a luta contra o tempo.
Meu combate não tem sua causa nas rugas que me vêm surgindo ou nos fios brancos que começam a despontar. Não, minha luta não tem fundamentos estéticos. Ao contrário de tantas mulheres que brigam com o tempo tentando subtraí-lo quando indagadas sobre suas idades, orgulho-me dos meus quarenta e quatro anos (mas admito que adoro quando me dizem não aparentá-los). Luto contra o tempo em função de duas causas próprias: o preenchimento do vazio e o desafio de vencer os meus próprios limites de tempo.
O vazio é o silêncio da alma. E dizem que a dificuldade de lidar com o silêncio é uma doença do mundo contemporâneo. Talvez eu seja mais uma pobre mortal a padecer desta enfermidade moderna. Ou talvez a minha dificuldade nenhuma relação tenha com o século 21. O fato é que o silêncio externo não me angustia. Ao contrário, aprecio a quietude do som e necessito dela, principalmente no início e final do dia. Sou o tipo de pessoa que precisa de silêncio no ambiente ao acordar e ao dormir. O barulho nestes momentos me agita o coração, literalmente. Meus batimentos cardíacos se aceleram e me trazem desconforto. O silêncio externo, portanto, é sempre bem-vindo.
Já o silêncio interno é diferente. Silenciar por dentro é acalmar os pensamentos, deixá-los fluir ou desaparecer por completo, de modo a perder a noção do tempo. Sei que minutos de meditação podem trazer a sensação de horas de repouso. Reconheço os efeitos do estado meditativo e posso senti-los nas minhas práticas de yoga. Minha dificuldade, no entanto, é aplicar a meditação durante o meu dia-a-dia. Permito a mim mesma relaxar a mente, afastar os pensamentos e lidar com o vazio durante minhas práticas, por duas ou três horas semanais. Permitir-me silenciar além disso passa a tornar-se uma ameaça. O que pode acontecer se eu perder o controle de mim mesma? Melhor, então, é combater o vazio, lutando contra o tempo. Por isso, acumulo ocupações e afazeres que passam a preencher minha mente e meu corpo. Preciso de tempo para conciliar estudo, trabalho, compromissos familiares, compromissos sociais e prazeres pessoais. Para dar conta de tudo, corro pra lá e pra cá, dentro e fora de casa. Se não dá para ler o jornal ao longo do dia, a saída é ler as manchetes e notícias curtas enquanto dirijo para o trabalho. Sim, nos sinais vermelhos entre um quarteirão e outro vou lendo alguns parágrafos das matérias. Dentro de casa, enquanto esquento o jantar, coloco roupas na máquina ou separo as roupas para o trabalho no dia seguinte. Tudo vale para brigar contra o tempo e preencher um possível vazio. Tudo vale a pena para a manutenção do controle.
Tendo falado sobre o preenchimento do vazio interno, falo agora da outra razão pela qual brigo com o tempo: o prazer de superar as limitações que o tempo nos impõe. Será possível levantar da cama, tomar banho, acordar a filha, arrumar-se para o trabalho, tomar café, botar comida para o cachorro e sair de casa em trinta minutos? Bem, essa é geralmente a minha rotina de segunda a sexta-feira. Eu poderia acordar mais cedo e fazer tudo com mais calma, certamente. Porém, a possibilidade de superar os limites do tempo deixaria de existir. E com ela o prazer da conquista. Nossa, acabo de entender o porquê de eu estar geralmente atrasada! Busco atingir metas irreais impostas por mim para mim. Será isso mesmo, então? Serão os meus atrasos consequência da minha busca por controle? Será que na tentativa de controle acontece o descontrole? Será?
Surpresa diante de tantas especulações, paro e olho ao meu redor. Estou dentro do meu carro, estacionado na Praça Xavier de Brito, próxima ao colégio da minha filha. Eu a deixei na escola e estava a caminho do trabalho, quando me chegaram as idéias deste texto. Estacionei e comecei a escrever. Meu Deus, perdi a hora! Eu já deveria estar no trabalho! Às pressas, dou a partida no carro, sigo ultrapassando os demais veículos e buscando os sinais verdes. No banco do carona, o Globo do dia. Na página seis, o título da matéria do caderno Opinião me chama a atenção: Caminho sem recuo. O tema em discussão é o controle de armamentos no país. Não tenho tempo para ler as opiniões, pois os sinais estão abertos. Mas me sinto extremamente feliz: minha mente se ocupa do título da matéria e dos “serás” que brotaram no meu texto: Caminho sem recuo, controle do descontrole e descontrole do controle. Estou nutrida de reserva para preencher vários vazios por algum tempo. O suficiente para controlar o tempo por enquanto. Será?