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domingo, 29 de janeiro de 2012

Frágil

Noite de verão ameno e chuva fina. Garrafa de vinho como sempre na despensa, aguardando a companhia de um bom DVD. Uma busca na locadora me apresenta o filme até então desconhecido: Paris. Nada mal rever a cidade que tanto me encantou há um mês em minha viagem à Europa. Foi essa a motivação de levar para casa ontem o filme de Cedric Klapisch, estrelado por Juliette Binoche e outros excelentes atores franceses.
O filme em nada nos decepcionou em relação às expectativas de trazer lembranças tão vivas à memória. O passeio pela cidade de Paris é completo, fazendo quem conhece a cidade reviver sua magia e quem não a conhece, querer pegar o primeiro avião para lá, como bem diz a crítica na capa do DVD. A boa surpresa foi a história em si e como ela se apresenta. São diversas amostras das vidas de desconhecidos que de alguma forma se entrelaçam em torno de uma história central: um rapaz jovem que recebe de seu médico a notícia de que uma doença no coração irá roubar-lhe a vida em pouco tempo.
Embora possa parecer um tema piegas, não há pieguice no filme. Olha que eu sou uma manteiga derretida, daquelas que se controlam para não chorar copiosamente numa cena banal de reconciliação entre namorados apaixonados. Entretanto, em nenhum momento sequer um nó na garganta me surgiu. O filme é leve, agradável, flluido. E por isso mesmo faz pensar. Se fossem cenas sentimentaloides, a emoção exacerbada poderia encobrir um enredo aparentemente pouco original. Mas não é o caso. São retratos da vida de pessoas como eu e você. E, mais que isso, a estampa de quão frágil a vida é. A imprevisibilidade é destacada logo no início, com o resultado da ultrassonografia revelando o fim de quem se espera viver por muito tempo ainda. E não pára por aí. Uma situação inesperada envolvendo outra personagem ocorre, expondo mais uma vez o débil fio que nos anima.
É incrível que possamos aceitar, ainda com certa resistência, a idéia da morte consequente do tempo que deteriora e faz sucumbir. Sabemos que tudo que é matéria se desgasta e podemos prever o tempo da deterioração material. A madeira apodrece, o ferro enferruja, e os órgãos do corpo humano falem. O que nos recusamos a aceitar, entretanto, é que qualquer matéria é frágil o suficiente para ruir antes do tempo esperado. Um objeto de madeira pode ser infestado por cupim, estruturas de ferro podem ser prejudicadas pela maresia, e o coração pode ser acometido por uma doença irremediável. A fragilidade pode também se expor diante de uma intenção: o tronco de madeira ceifado, o ferro incendiado, o corpo esfaqueado. Por mais que se busquem os culpados pela devastação da floresta, pelo incêndio no prédio ou pelo assassinato da pessoa, a matéria está desfeita. E nada traz a vida de volta.
Muitas vezes creditamos à injustiça divina ou à irresponsabilidade humana a causa da perda da vida, pois precisamos de paliativos para acalentar nossos corações sufocados de dor. Mas, na verdade, buscamos razão para o irracional.
No filme de ontem, o jovem à espera da morte torna-se reflexivo sobre a sua vida e a dos outros, aproxima-se da irmã de quem se distanciara, conta para a namorada de infância o quanto ela foi importante e reúne amigos numa comemoração sem motivo especial. Enfim, diante da constatação premente do que nos recusamos a aceitar, ele parece adquirir consciência dos valores que realmente importam: os laços afetivos e a verdade consigo mesmo. Ele se recusa a iludir a si próprio, e admite por completo a realidade que todos nós queremos ocultar de nós mesmos.
Afinal, por mais difícil que seja, viver verdadeiramente é romper qualquer tipo de ilusão e encarar o maior medo que se tem na vida: o medo da morte.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Goodbye, London!

A viagem do centro de Londres ao aeroporto de Heathrow costuma ser um tanto longa, não só pela distância como pelo volume de carros em determinados horários. Às onze da manhã de segunda-feira, no entanto, passada a hora do rush matinal, o trânsito flui bem, e o trajeto torna-se mais curto do que o usual.
Ao longo dos quarenta minutos do percurso, aprecio a sequência de imagens que me invadem os olhos e despeço-me da Inglaterra. Os alunos do nobre bairro de Holland Park, que por duas semanas vi seguirem para a escola nas manhãs frias e cinzentas, terminam as aulas do dia e seguem em grupos para casa. O sol bronzeia as árvores secas, dourando seus galhos despidos pelo frio. A tela azul do céu é pincelada de branco nos traços deixados pelos aviões. Os carros vindos pela direita, em direção contrária ao taxi que me conduz, já não me trazem a estranheza de semanas atrás.
Definitivamente, quinze dias não é tempo suficiente para se modificarem os hábitos de uma vida, mas certamente podem nos trazer mudanças, especialmente se vividos com intensidade. Assim foram os meus dias de passeio por Londres e arredores: longos, extensos, intensos. Foram muitos os assuntos dos eventos em solo inglês: história, arte, gastronomia, natureza, multiculturalismo. Cada um vivenciado com imenso prazer, lenta e profundamente. Ao pensar no dia de ontem, preciso parar para lembrar o que fiz. Confundem-se lugares na minha mente e sensações no meu corpo. Até que chegam imagens e impressões mais nítidas: penhascos esculpidos em giz branco, mar rajado de dourado, céu de azul irretocável, ampla área de gramado verde, vento gelado nas faces, vontade de correr com os pés no ar e voar, sensação de liberdade. Penso na imensidão da natureza, no poder das forças desconhecidas e na pequenez da condição humana. Lembrei-me, afinal: Ontem, a caminho da cidade de Brighton, visitei Seven Sisters, a incrível cadeia de sete penhascos ao sul da Inglaterra.
A soberania da natureza de Seven Sisters leva meu pensamento a Stonehenge, o inexplicável monumento de pedras de cinco mil anos de idade. Não se sabe por que as pedras foram dispostas em círculo, quem as colocou onde estão ou como foram transportadas. Novamente penso nos mistérios da vida e o diminuto tamanho do homem diante do universo. Quando foi mesmo que visitei Stonehenge?
Das belezas naturais, meu pensamento se desloca para as construções históricas. Lembro a Abadia de Westminster e suas paredes seculares, seus túmulos régios e seus memoriais de personalidades da história britânica. Penso no quão grandioso o homem pode ser para toda a humanidade, mas também como a história de cada um de nós, inevitavelmente, termina. Seja em túmulo banhado a ouro ou em túmulo algum, todos temos o mesmo fim. Qual foi mesmo o dia em que visitei a Abadia de Westminster?
À medida que o taxi se aproxima do aeroporto, um mosaico de imagens se forma em meu pensamento: Covent Garden, Tower Bridge, Borough Market, Tate Modern, Tower of London, British Museum, Portobello Road ... E um amálgama de sensações se apodera de mim: Surpresa, espanto, melancolia, saudade, alegria. Riso, choro, cheiro, gosto. Quando foi mesmo que visitei esses lugares? Ontem? Semana passada? Há treze anos, quando estive pela primeira vez na Inglaterra?
Penso então na necessidade que temos de delimitar o tempo, definir quando algo aconteceu e o quanto durou. Como se o valor de uma experiência se medisse por ser ela mais ou menos próxima, mais ou menos longa. Pois digo que, de imediato, não sei responder quando visitei cada lugar. Não sei ao certo quantos minutos ou horas se passaram enquanto estive em cada um. Mas sei dizer que vivi cada lugar intensamente. Cada minuto como se fossem horas. E com certeza este é um importante insight que tive nestes quinze dias: intensidade não se mede pelo relógio, mas pela entrega ao momento presente. O que fiz mesmo ontem? E anteontem? Não sei bem. Sei sim o que faço agora: Deixo fluir as impressões que me impregnaram o corpo e a alma nestes últimos dias.
O taxi finalmente chega ao aeroporto de Heathrow. Retiro as malas pesadas por tentarem reter as lembranças da viagem. Olho mais uma vez o céu claro e admiro o dia de sol, despedindo-me de Londres. Atravesso a porta automática e sigo em direção ao balcão de check-in. Deixo para trás os lugares que visitei e levo pela frente as sensações que cada um me causou. Goodbye, London!

domingo, 1 de janeiro de 2012

O que se leva da vida?

A pergunta é um grande lugar-comum, mas é ela que me vem à mente ao sentar-me na pequena poltrona da sala deste pitoresco apartamento na Boulevard Saint Michel, número 34, em Quartier Latin. Após arrumar as malas que me acompanharão na partida da França amanhã, sento-me para descansar um pouco e ouço as badaladas do sino de uma igreja próxima soarem doze vezes: meio-dia de primeiro de janeiro de 2012. Olhando o céu cinza claro e brilhante de Paris através da janela que me protege contra o frio, lembro-me da luminosidade dos quadros de Van Gogh deixados ontem no Musée d’Orsay.
E me chega ao pensamento a pergunta: O que se leva da vida?
Afrouxo os músculos cansados das caminhadas dos últimos dias, desfruto o aroma do brie da manhã ainda pairando no ambiente, fixo o olhar nas chaminés dos telhados vizinhos e me entrego ao silêncio do momento. O que se leva da vida? Surge uma nova imagem diante dos meu olhar perdido. Esta agora repleta de detalhes e informações. Para apreciá-la, concentro-me em suas minúcias como os entalhes dos portais da monumental Notre Dame: Noite clara e fria, iluminação festiva no pier número 7, ambiente de meia-luz no interior da embarcação. Suave música francesa na voz de mulher, notas de contra-baixo, acordes de violão e piano. Mesa para dois na lateral envidraçada. Rosas vermelhas e contas transparentes e negras sobre a toalha branca. Kir royale, vinho branco, vinho tinto e champagne acompanhando pratos de degustação. As águas do Sena refletidas no teto de vidro e o deslizar suave do bateaux. As mais belas construções da Cidade Luz nos saudando às margens do rio. Ponte Nova, pontes velhas, Ponte Alexandre. Variadas nacionalidades reunidas na noite de réveillon: Anas, Anettes, Annies brindando o novo ano.
O que se leva da vida? Bem, na tentativa de compartilhar a magia de estar em Paris às vésperas do ano novo, deixo a minha resposta: Leva-se da vida a fé nas coisas boas que certamente virão – ainda que o céu esteja cinza (claro ou escuro). Leva-se da vida o reconhecimento das conquistas individuais – ainda que elas não sejam monumentais. E, acima, de tudo, leva-se da vida o eterno agradecimento pela oportunidade de viver!
Que em 2012 nós saibamos responder a pergunta tão lugar-comum de uma forma realmente especial e única! Bonne Anné!