“Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranquilo.” Foi este padrão excludente que adotei na vida desde quando minha memória me permite lembrar. Quando criança, brincar ou estudar eram alternativas que se apresentavam à tarde, após a chegada da escola e a pausa do almoço. Eu poderia brincar e depois estudar. Ou estudar antes de brincar. Aluna aplicada como sempre fui, entretanto, a dúvida logo desaparecia e estudar geralmente se impunha, excluindo a possibilidade de brincar, qualquer que fosse a ordem entre ambas alternativas. Quanto a correr ou ficar tranquila, a segunda opção era sempre a escolhida. Verdade criada por mim mesma, filha exemplar deveria expressar tranquilidade. Caso contrário, ela poderia não ser tão querida. Portanto, a escolha estava feita.
A ótica dualista que adquiri na infância - não me pergunte o porquê – permeou toda a minha adolescência: “Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares.” E eu geralmente optava por ficar no chão. Movida pela dedicação aos estudos e muita disciplina, foi com os pés no chão que eu passei grande parte dos meus teen ages debruçada sobre a escrivaninha do meu quarto, lendo e estudando enquanto a maioria dos amigos saía para se divertir. Foi com os mesmo pés no chão que fui aprovada no vestibular de Medicina da Universidade Federal Fluminense aos dezesseis anos e decidi abandonar o curso médico pela faculdade de Letras dois anos depois, ainda que sob certo protesto da família. Subir nos ares acontecia sim, embora muito tímida e particularmente. Como boa pisciana, eu não deixei de sonhar.
Atingi a fase adulta. Aos vinte e um anos, inaugurei minha vida profissional, e aos vinte e quatro, casei-me. Desconstruindo os meus próprios paradigmas, consegui conviver bem com a dualidade‘esposa e profissional’ durante todo o meu casamento. Na verdade, a flexibilidade de horário que as aulas de inglês me ofereciam permitia que eu desempenhasse minhas duas funções perfeitamente, sem prejuízo ou a exclusão de uma ou outra.
Passados três anos, iniciei a mais bela etapa de vida que a natureza possibilita a uma mulher: ser mãe. Seduzida pelo encantamento típico dos bebês e inexperiente na função materna, passei a dedicar-me integralmente à minha filha. Nos seus primeiros anos de vida, eu não admitia alternativa aos cuidados e à atenção que dispensava a ela, bem maiores que à minha própria vida particular. E não lamentava que não pudesse estar ao mesmo tempo em dois lugares, pois era com ela que eu queria estar todo o tempo.
Mas o tempo passou, minha filha cresceu e cresci eu em experiência de vida. Hoje entendo que uma escolha não precisa excluir a outra. Peço licença à mestra Cecília Meireles e discordo que “ou se tem chuva e não se tem sol, ou se tem sol e não se tem chuva”. Sol e chuva se combinam num magnífico céu de cores formadas pelos fenômenos de reflexão e refração. São os dois juntos que realizam a mágica do arco-íris para o nosso contemplar.
Hoje olho para trás e penso com muita placidez nas escolhas que não fiz. Brinquei, corri, subi nos ares e cuidei de mim menos do que poderia ter feito, é verdade. Porém, fiz o que pude fazer de melhor em cada momento. Para entender que eu poderia ter feito diferente, precisei crescer e enxergar a vida sob uma nova ótica. Só o passar dos anos me permitiu adquirir essa nova visão. Hoje vejo que é possível brincar e estudar, correr e ficar tranquila, subir nos ares e ficar no chão, dedicar-se aos filhos e a si própria. É tudo uma questão de equilíbrio. Para quem não entendeu ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo, pode ter certeza da escolha. Melhor é isto e aquilo.
Ana querida, que delícia passear pelas suas memórias e histórias!
ResponderExcluirsaudades de você, sua sumida!!!!
um beijo enorme!
Marina
Ana, adorei a apropriação que você fez do texto da Cecília. Super acho que o melhor é ter tudo. Quanto mais melhor, mais intenso. Não tem problema se ficar confuso, se ficar corrido. Vive-se melhor assim. Lembro-me ao ler esse texto do seu "Tempo sem Recuo". É justamente porque a gente quer fundir que o tempo fica pequeno. Um dia a gente ainda encontra uma fenda no tempo, né?
ResponderExcluirBjo do amigo e admirador (os dois, ao mesmo tempo, sempre!)
Minha estimada e querida amiga !!!
ResponderExcluirHoje você tem a visão exata disso, mas sob o ponto de vista, do auge de sua consciência, inteligência e capacidade, do momento em que você vive !!
Com certeza essa visão não seria e não foi a mesma daquela época. É fácil hoje entender muitas coisas que se passavam a algum tempo atrás, sob a ótica do momento atual e com a " bagagem " que adquirimos ao longo dos anos !
É como se soubéssemos do gabarito da prova depois de fazermos !! rsrsrsrs
Colocada essa minha humilde opinião, vem as perguntas que nao se calariam jamais !!
Do tipo:
Você seria a mãe maravilhosa que hoje é?
Idem a filha presente que é?
A irmã amiga e dedicada??
Ou até mesmo, ainda que por tempos em tempos, a amiga que sempre gostei e admirei?
Minha querida, muitas das vezes " Ou isto ou aquilo " é exatamente o que acontece no dia a dia de nossas vidas !!
Não, não defendo que devemos excluir uma coisa em detrimento da outra, e concordo plenamente com o que você diz, mas tenha certeza de uma coisa, equilíbrio numa menina de 9, 10, 11, 12, 13 anos é quase que impossível !!
Aprendi uma coisa com o passar dos aos, e vejo que você se deparou com o mesmo paradigma. Mas ninguém, eu disse ninguém consegue nada na vida, se não for com DISCIPLINA !!!!
Beijosss, amei participar desse seu blog tão lindo e gostoso !!
Filha,
ResponderExcluirsuas crônicas... delas me aproprio pela elegância,simplicidade e objetividade sempre apresentadas. "Isto e Aquilo" não é exceção. É regra seguindo a impermanência da linearidade emocional de tudo que foi escrito até agora. Nada é hirto, travado, que se leia com olhos de domingo, de través e princípio de bocejo. O que brota é aquele sentimento de haver algo mais nas entrelinhas... e tudo fica assim definido como um bom vinho com retrogosto por tempo indeterminado a valorizar a vida. Amo você!