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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Quarta-Feira de Cinzas

Ao longo dos últimos quatro dias, pensei várias vezes em escrever uma crônica de carnaval. Ideias vieram e se foram, sem nenhuma vingar. Pensei em escrever sobre a paixão que sempre tive pelo Carnaval e como esse amor de infância surgiu.
Não sei exatamente quando e nem por que meu interesse pelo samba começou. Só lembro uma vontade louca de aprender a sambar ainda bem novinha. Com os meus doze anos, eu sambava com um pé só e sabia que não sabia sambar. Foi passado o carnaval daquele ano, que consegui sambar com os dois pés. Lamento profundo por não mais poder exibir-me com pés de passista – naquele ano, pois tantos outros carnavais viriam pela frente! Matinês no Clube Imperial de São Cristóvão, bailes no Clube Municipal e pre-carnavalescos do Clube América iriam despertar em mim o desejo profundo de desfilar em uma escola de samba. Portela, a escola do coração, era o meu sonho de consumo! Por que a escola de Madureira, tão distante de mim? Não sei. Amor não se explica, simplesmente se deixa fluir. E foi deixando fluir meu amor ao samba, que o Salgueiro entrou na minha vida. A frequência constante aos ensaios da vermelho e branco me fizeram trair a azul e branco definitivamente.
Foram quinze anos de sábados sob tamborins, chocalhos, repiques, caixas e tudo mais que sempre arrepiou, literalmente, a multidão da quadra da Rua Silva Teles. Nos quatro dias passados, pensei em escrever sobre a emoção dos desfiles – cada vez como se fosse a primeira, os integrantes apaixonados que não mais estão conosco ou as histórias engraçadas que aconteceram em torno da avenida. A perda da lente de contato durante o desfile, a inexistência de banheiros em momentos de necessidade urgente e - a melhor de todas - a troca das camisas tamanhos G e P. Aquele episódio daria uma boa história!
Domingo de carnaval, dia do desfile oficial do Salgueiro. Nervosismo típico de um presidente de ala dedicado à escola e paciência típica de sua esposa - O que restaria a ela fazer? Desde a manhã do dia, a mesma ladainha de todos os anos: Vou sair cedo de casa e quem quiser que me acompanhe. Não posso atrasar para a concentração. Preciso receber os integrantes da ala. E blá, blá, blá. No início da tarde, experimento minha camisa para confirmar, com antecedência, que está tudo certo. Faz alguns anos que não saio mais de fantasia, cansada que estou dos resplendores e adereços. Agora saio como diretora da ala. Livre, leve e solta.
Ao experimentar a camisa, uma ingrata surpresa: tamanho gigantesco para o meu corpo pequeno! Pânico na tarde de carnaval. Trocaram o meu tamanho! Como vou desfilar assim? E eu não posso atrasar, se não blá, blá, blá. Socorro da tia daqui, socorro da mãe dali, e recebo ajuda para o acerto da minha camisa. Rapidamente ela está reduzida ao meu corpo. Ufa! Tudo pronto a tempo. Camisa adequada, passada e pendurada, aguardando o momento da partida para a avenida.
O horário se aproxima. Vou começar a me arrumar e quem quiser que me acompanhe. Não vou esperar por ninguém. Tenho compromisso. E blá, blá, blá. Eis que Roberto veste a camisa e emite um urro, um grito feroz de indignação. Corre minha mãe, corre minha tia, corro eu. O que será que aconteceu? E vemos Roberto no quarto, comprimido numa camisa que mal lhe permite mexer os braços. Minha mãe gélida, minha tia pálida e eu trêmula. A camisa que eu experimentei à tarde não era a minha. A camisa que foi apertada não era a minha. A camisa que teve o tamanho reduzido era a DELE! E como o presidente vai desfilar daquele jeito? Com o peito apertado e os braços tolidos, sem poder mover-se durante a evolução da ala? Equipe de resgate a postos, mãe e tia se movimentam rapidamente. Tesoura daqui, alfinete dali e minha mãe consegue abrir alguns dos pontos dados. O que havia sido alinhavado pode ser salvo, o que havia sido cortado, foi-se. Parcialmente justa, parcialmente solta, a camisa permite agora ao menos algum movimento de braços.
Hora da partida para a concentração. Conseguimos sair a tempo, apesar dos pesares. No metrô, eu com minha camisa no devido tamanho e minha mãe e minha tia, com suas devidas fantasias, nos sentamos afastadas do presidente com sua camisa torta. De longe, podemos percebê-lo falando sozinho, resmungando e retorcendo a camisa, na esperança de ajeitá-la. Na concentração, outros presidentes de ala reclamaram da costura mal-feita naquele ano. É cara, vacilaram na costura esse ano. Tá tudo mal acabado, esquisito. Olha a sua camisa! Toda desengonçada! E assim a responsabilidade sobre a camisa torta foi creditada às costureiras do barracão.
Foram muitas as histórias de carnaval. Dos bailes nas tardes de sábado e terça aos desfiles nas noites de domingo e segunda, muita coisa eu poderia contar. Mas, nestes quatro dias de carnaval, as ideias vieram e se foram, sem nenhuma vingar. Hoje, quarta-feira de cinzas, sento-me para organizar algumas lembranças no computador. E eis que surge este texto, ainda que tardio, uma crônica de carnaval.

4 comentários:

  1. Quantas pequenas lembranças, pequenas comédias e pequenas tragédias não formam este evento, que no fim é tão grande... :)

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  2. Adoro essa história, sempre dou boas risadas quando ouço! Aventuras de carnaval!

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  3. HUhuahuahuahauhauhauhauahahuahuahuh!
    Acredita que ontem mesmo contei essa história pro Marcus?! Inesquecível essa... lembro até hoje dele todo apertadinho experimentando a camisa!

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  4. Ahahaha, adoreeei! :) Enquanto lia, ficava imaginando vc e seu jeito super peculiar de contar uma história, com sua gargalhada que não deixa ninguém sério ;) Se der, compartilhe outras - vc deve ter muitas mesmo já que foram muitos anos de musa do Carnaval ehehe
    :*

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