“Ô vóóó, olha o Zéééé!” Era este o grito de socorro emitido por mim e minha irmã à nossa avó materna toda vez que nosso tio exercitava conosco sua criatividade marota.
Nove anos mais velho, Zé era como um irmão travesso e implicante, sempre zombando das pirralhas. Com sua originalidade peculiar, ele criava personagens, letras de música e melodias jocosas para atazanar as sobrinhas. Assim surgiram Espeto e Broa, por exemplo. Espeto nasceu por inspiração numa estampa de camiseta minha, dada a semelhança da caricatura magricela e cabeluda com meu corpo fino e cabelos cheios. Já Broa foi a alcunha criada para minha imã, sardenta e gorducha. Meu tio sentia orgulho por suas criações: Espeto era tão famoso que tinha sua imagem impressa numa peça de roupa. E Broa tornou-se famosa por ser inspiração de um rock nonsense, composto pelo próprio Zé e cantado para as pessoas de casa: a história de uma broa de milho que cai no chão e se esfarela, fazendo-o lembrar de sua sobrinha Ana Cristina.
Bastava Zé entoar o rock ou mencionar a camiseta para a gritaria começar. E no pequeno apartamento da Rua Sacadura Cabral, correndo de dentro da cozinha, lá vinha a minha avó. Alheia à criatividade de seu filho, partia em socorro das pequenas netas. Faca em punho, vovó ameaçava umas pancadas no menino com a face lateral da arma. Fugindo pelo apartamento, Zé trancava-se no banheiro com medo de apanhar. Até que passava o alvoroço, ele saía de mansinho, e nós fingíamos não vê-lo. No dia seguinte a implicância recomeçava, pelo mesmo motivo ou por outro qualquer. E o ciclo se repetia: gritaria, ameaça, correria, calmaria.
O mais curioso é que a vó Hermínia nunca sabia com certeza se o Zé realmente tinha feito algo de errado. Um grito nosso a fazia sair correndo contra ele, estivesse ele errado ou não. E, na verdade, nem sempre era ele o culpado. Muitas vezes nós o provocávamos, instigando discórdia, só como pretexto para que vovó nos socorresse. Adorávamos ver a nossa super vó em cena, protegendo suas netas queridas e indefesas contra o vilão da zombaria. Nossa heroína preenchia nosso mundo de fantasias, não com histórias contadas dos livros, mas com as suas atitudes reais. Sempre que necessário, ela surgia nos protegendo com facas e dentes: a faca tremulando no ar e os dentes rangendo entre gritos de “Para com isso, José! Deixa as meninas em paz!”
Mas o tempo passou e tio Zé cresceu. O amadurecimento do menino arteiro transformou o vilão da zombaria num tio parceiro e camarada. Com isso, deixou de existir o nosso pretexto para pedido de socorro e proteção à vovó. Entretanto, guerreira que naturalmente era, vó Hermínia jamais nos desamparou. Ao contrário, nos ensinou lições de auto-proteção para que pudéssemos nos defender ao longo da vida por nós mesmas. Sua religiosidade nos trouxe ensinamentos de fé e coragem. Sua determinação nos transmitiu a força que a verdadeira vontade tem. E sua generosidade e solidariedade mostraram o quanto preenche a alma pensar no outro. Os valores que dela recebemos sem dúvida constituem grande parte do que somos hoje.
Na próxima terça-feira, dia 13 de março, seria aniversário da nossa super vó. Já faz quatro anos que não mais podemos comemorar com ela essa data. Nossa heroína cumpriu sua missão na Terra e partiu. Certamente vive hoje num reino mágico de fadas e querubins, como imagina a fantasia das crianças. Que os anjos celestes protejam para sempre o nosso anjo protetor!
Um beijo com muita saudade, agradecimento e ternura, querida vovó.
Nossa, dessa vez o post me emocionou... acabei de ler com os olhinhos marejados! hehehe
ResponderExcluirMas enfim... um super beijo pra nossa super vó, onde quer que ela esteja!
Lind lindo lindo! Lindo texto e muito emocionante!!
ResponderExcluirAna, muito lindo! Lendo seu texto, me lembrei dos tempos de criança quando viajava para Rio das Ostras e *sofria* com as implicâncias (muitas vezes motivadas por mim) do meu irmão no banco de trás do carro... "Pára, Junior!" era a frase que bastava para a minha "super mãe" virar a cabeça e gritar com ele: "Junior, deixa sua irmã em paz!" Hoje, com o amadurecimento que a vida nos traz, tb posso adjetivar meu irmaozinho de parceiro e camarada e damos risada cheios de saudade daquela época!
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