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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Lua dos Namorados

Aconteceu na madrugada de 13 de junho de 2011, entre três e quatro horas da manhã, pela terceira vez. Sua luz penetrou pela fresta entre as cortinas de persianas que cobrem a janela do meu quarto. Nas duas primeiras vezes, assustei-me com o clarão que acordou meus olhos, sem entender o porquê. Desta vez não. Abri os olhos lentamente, como se aguardasse aquela visita já familiar.
Deitada na cama, exatamente de onde eu estava, pude ver a rainha de prata exibindo-se no céu. Qualquer pequeno movimento meu para a esquerda ou direita me faria perdê-la de vista. Era bem ali onde eu estava que seus raios argênteos conseguiam iluminar o meu rosto. Não quis dormir, para poder apreciá-la, mas também não quis despertar completamente, para manter o entorpecimento agradável que misturava sonho e realidade em minha mente.
Foi esse estado idílico que me trouxe música aos ouvidos. Não qualquer música, mas o verso “A lua é dos namorados”, da antiga marchinha de carnaval. Poderia tratar-se de uma referência inconsciente ao dia dos namorados, que acabara há poucas horas, ou ao dia de Santo Antônio, que mal começara. Mas não foi isso.
A luz de prata iluminando meu sono aguçou meus sentidos e transportou-me através do tempo. Lá estava eu, ano de 1977, na casa de praia da minha família em Itaipu, região oceânica de Niterói. Noite de céu claro, lua de prata sobre o jardim e o portão de entrada onde estávamos nós três. No fundo do terreno, a silhueta da casa com a claridade de lampiões no seu interior. A luz elétrica não chegara ainda à roça. O toque quente das minhas mãos em mãos jovens como as minhas e em mãos mais velhas, porém suaves. Cheiro de noite no mato e som de sapos e grilos. Rompendo a quietude da natureza, o verso “A lua é dos namorados”. Verso acompanhado de movimento e ritmo. Movimento de roda: eu, minha irmã e vovó Bacy de mãos dadas dançando sob o luar. Ritmo de vozes infantis regidas pela voz melódica da vovó. Lá estava ela, maestrina do coro de duas vozes, rodopiando e cantando: “Lua, oh lua, querem te passar pra trás. Lua, oh lua, querem te roubar a paz. Lua que no céu flutua, lua que nos dá o luar. Lua, oh lua, não deixe ninguém te pisar.” Chegava, então, o momento mais esperado da canção: “Todos eles estão errados, a lua é dos namorados.” Nós três rodávamos em velocidade, uma puxando as outras na mesma direção ou em ziguezague. Misturado à canção, o som dos nossos risos de alegria. Acabada a música, pedíamos à vovó que começasse novamente a sua regência. E assim reiniciávamos a roda, mais uma vez e outra vez, até que a primeira de nós se cansasse - vovó, minha irmã ou eu.
Naquela noite de junho, a primeira a se cansar foi vovó Bacy. Com seu rosto sardento corado e suado de tanto rodar, deu sua gargalhada típica e anunciou que voltaria para casa. Disse que seus amigos a esperavam para uma partida de buraco, que ela tanto gostava de jogar. Soprou um beijo dos lábios vermelhos de batom, enviado com carinho pelos dedos com unhas longas e bem feitas, como sempre. Virou-se de costas e seguiu pelo jardim da casa. Na penumbra da noite, procurei o rosto da minha irmã. Sorridentes, nos olhamos em cumplicidade.
O torpor que me envolvia o corpo era então não só o misto de sonho e realidade, mas uma grande sensação de saudade. Abri os olhos completamente e encarei a senhora de prata pela fresta da janela. Minha visão ficou turva com as lágrimas que chegaram. Totalmente consciente naquele momento, agradeci à lua dos namorados pela visita que ela me fez e pela visitante que trouxe junto a si.

4 comentários:

  1. Nessas horas a gente vê que o tempo, talvez, não exista. E que memória é um tipo de eternidade.

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  2. O mais lindo de todos os contos!

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  3. Lindo mesmo, Mayara. Marejou meus olhos diversas vezes. Fiquei arrepiado. Sua escrita nostálgica é muito delicada, feminina, sensível. Parabéns, Ana!

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  4. Minha avó paterna tem 101 anos(Carmen)e avó materna faleceu à 18 anos(sinto muita saudades.).Mas a minha avó paterna é linda.Parabéns pelo conto,fiquei emocionada.

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