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domingo, 23 de outubro de 2011

Réquiem para um Amigo

Dedico este texto a um amigo que já se foi - querido amigo que me acompanhou do início da adolescência aos primeiros anos da vida adulta. Amigo com quem partilhei alegrias e tristezas, ganhos e perdas. Amigo que sempre me acolheu e apoiou, estivesse eu certa ou errada. Amigo que nada cobrava pela sua amizade.
Fomos apresentados um ao outro por meu pai aos meus treze anos de idade. O impacto que sua presença me causou foi visível. Não tive como demonstrar indiferença aos seus pelos loiros e sua compleição robusta, típicos da descendência alemã. Ele era simplesmente lindo! Papai também reconhecia o seu encanto, por isso compreendeu a minha reação.
Mas não foi somente sua aparência física que me impressionou. Na verdade, o seu jeito brincalhão me cativou de imediato. Ele era inteligente, perspicaz e muito divertido. Eu passei a pensar nele todos os dias e queria estar em sua companhia a todo instante. Foi assim que entendi que nos tornaríamos grandes amigos.
E minha profecia realmente se cumpriu. Fomos crescendo juntos, num convívio cada vez mais estreito, estabelecendo códigos decifrados somente por nós dois. Não havia segredo meu que ele não soubesse ou desejo seu que eu desconhecesse. Trejeitos valiam mais que palavras e olhares bastavam por si sós. Eu entendia sua tristeza ou alegria, ele entendia minha admiração ou reprovação. Cuidávamos um do outro com atenção e carinho.
Ele participou da minha vida como ninguém mais. Acompanhou meus estudos na escola e no curso pré-vestibular, suportando minha ansiedade e preocupação a cada véspera de prova. Conheceu os amigos que eu tive e os que eu pensava ter. Presenciou o surgimento do meu primeiro amor e a desilusão da sua perda. Dividiu comigo a conquista de uma vaga no curso de Medicina e minhas dúvidas em levar a faculdade adiante ou não. Chorou comigo a separação dos meus pais. Assistiu à minha aprovação no concurso para o Banco Estadual do Rio de Janeiro e compreendeu minha (in)sensatez ao abrir mão do emprego público. Respeitou a minha escolha por um novo rumo profissional. Participou da despedida do meu avô. Aprovou o meu primeiro namoro sério e presenciou minha saída de casa para iniciar com meu marido minha vida de casada.
A partir do meu casamento, eu e meu amigo começamos a nos separar. Embora a princípio ainda nos encontrássemos toda semana, com o passar do tempo nossos encontros se tornaram mais escassos. Entretanto, eu tinha sempre notícias suas. Ainda que de longe, eu acompanhava a vida do meu grande amigo, apesar de ele não mais acompanhar a minha.
Assim eu soube que ele vinha se sentindo solitário, deprimido, aprisionado em seu apartamento, muitas vezes sem alguém com quem dividir a sua tristeza. É claro que eu teria que agir de algum modo. Eu precisava retribuir ao menos parte da alegria que ele me trouxera tantas vezes. Embora com afazeres no trabalho, na nova faculdade e em casa, passei a buscar sempre um tempinho para visitá-lo com certa frequência. Saíamos algumas vezes para passear e nesses momentos ele se sentia feliz. Eram passeios curtos, porém suficientes para alegrá-lo.
Na noite de 05 de dezembro de 1992, o telefone tocou no meu apartamento. Do outro lado da linha, a minha irmã. Nervosa, com a voz trêmula, custou-lhe alguns segundos falar com clareza. Por fim, eu pude entender. O Óscar estava imóvel, deitado atrás da porta da sala, como se estivesse dormindo. Ela já tinha chamado pelo seu nome várias vezes, mas ele não respondia. Sozinha em casa e com receio de confirmar sua suspeita, minha irmã não quis se aproximar dele. E nem era preciso. Nós duas já tínhamos entendido o que acabara de acontecer. Pedi calma à minha irmã e fui imediatamente ao seu encontro.
Chegando ao apartamento, encontrei meu amigo conforme descrito por minha irmã. Sereno, ele dormia para não mais acordar. Naquela noite, Óscar repousou seu corpo velho e cansado no apartamento dos meus pais, onde ele viveu toda a sua vida e eu, grande parte da minha. O corpo robusto do meu querido cão boxer foi desfeito em cinzas no crematório da clínica veterinária. Sua alma foi levada para o Reino dos Animais, vigiado e protegido por São Francisco de Assis. E sua imagem, guardada com carinho para sempre na minha memória e no meu coração.

4 comentários:

  1. Oh... Nunca tive um amigo desses... Mas que bom que você teve essa oportnidade, Ana!!

    Beijos!

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  2. Querida, vc sabe q sou bobona e choro a toa, então, cá estou eu em prantos ao fim desse texto! Obrigada por dividir essa história tão linda :)

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  3. Nossa, que texto bonitinho, Ana. Cheio de suspense e reviravoltas emocionais. Parabéns!

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  4. Ana,
    Durante a leitura me peguei tentando adivinhar sobre quem você estaria falando. Ao longo do texto percebi que seu amigo estava presente ao seu lado durante os momentos mais importantes da sua vida, que lindo!!

    Nunca tive um cachorrinho( papi não gosta e mami diz que ela é quem vai tomar conta rs) mas quando tiver minha casinha desejo ter um amigão desses também!:)

    Bjks!

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